Deficiente Visual e o esporte

                  




EDUCAÇÃO FÍSICA ADAPTADA


A Educação Física adaptada aos portadores de necessidades especiais não se diferencia da Educação Física em seus conteúdos, mas compreende técnicas, métodos e formas de organização que possam ser aplicados ao indivíduo com necessidades especiais. É um processo de atuação em que o planejamento se torna imprescindível na medida que visa atender às necessidades de seus educandos. Para que isso ocorra é importante que o professor de Educação Física tenha os conhecimentos básicos relativos ao seu aluno como: tipo de deficiência, as funções e estruturas que estão prejudicadas, se é transitória ou permanente.

A delimitação do tema em questão, ou seja, atividade física adaptada aos portadores de necessidades especiais se dá aqui ao grupamento de deficientes visuais que de acordo com a escala oftalmológica diz respeito a: acuidade visual, aquilo que se enxerga a determinada distância e campo visual, a amplitude da área alcançada pela visão.

Em 1966 a Organização Mundial de Saúde (OMS) registrou 66 diferentes definições de cegueira, utilizadas para fins estatísticos em diversos países. Para simplificar o assunto, um grupo de estudos sobre a Prevenção da Cegueira da OMS, em 1972, propôs normas para a definição de cegueira e para uniformizar as anotações dos valores de acuidade visual com finalidades estatísticas.

De um trabalho conjunto entre a American Academy of Ophthalmology e o Conselho Internacional de Oftalmologia, vieram extensas definições, conceitos e comentários a respeito, transcritos no Relatório Oficial do IV Congresso Brasileiro de Prevenção da Cegueira (Belo Horizonte, 1980, págs. 427/433). Na oportunidade foi introduzido, ao lado de 'cegueira', o termo 'visão subnormal'. Diversamente do que poderíamos supor, o termo cegueira não é absoluto, pois reúne indivíduos com vários graus de visão residual. Ela não significa, necessariamente, total incapacidade para ver, mas, isso sim, prejuízo dessa aptidão a níveis incapacitantes para o exercício de tarefas rotineiras.

Esse termo é referido à 'cegueira parcial' (também dita legal ou profissional). Nessa categoria estão os indivíduos apenas capazes de contar dedos à curta distância e os que só percebem vultos. Mais próximos da cegueira total estão os que só tem percepção e projeção luminosas. No primeiro caso, há apenas a distinção entre claro e escuro; no segundo (projeção) o indivíduo é capaz de identificar também a direção de onde provém a luz.

A cegueira total ou simplesmente amaurose, pressupõe completa perda de visão. A visão é nula, isto é, nem a percepção luminosa está presente. No jargão oftalmológico, usa-se a expressão 'visão zero'.

Uma pessoa é considerada cega se corresponde a um dos critérios seguintes: a visão corrigida do melhor dos seus olhos é de 20/200 ou menos, isto é, se ela pode ver a 20 pés (6 metros) o que uma pessoa de visão normal pode ver a 200 pés (60 metros), ou se o diâmetro mais largo do seu campo visual subentende um arco não maior de 20 graus, ainda que sua acuidade visual nesse estreito campo possa ser superior a 20/200.

Esse campo visual restrito é muitas vezes chamado "visão em túnel" ou "em ponta de alfinete".

Nesse contexto, caracteriza-se como portador de visão subnormal aquele que possui acuidade visual de 6/60 e 18/60 (escala métrica) e/ou um campo visual entre 20 e 50 graus.

Pedagogicamente, delimita-se como cego aquele que, mesmo possuindo visão subnormal, necessita de instrução em Braille (sistema de escrita por pontos em relevo) e como portador de visão subnormal aquele que lê tipos impressos ampliados ou com o auxílio de potentes recursos ópticos.


As defasagens no desenvolvimento geral do indivíduo cego, que se apresentam como estatisticamente relevantes, são mais acentuados na área motora. Estas se dão, não por um déficit anátomo-fisiológico inerente à criança cega, mas sim pela limitação de experiências motoras em diversos níveis. O trabalho do professor de Educação Física consistiria, nesse caso, em ampliar, tanto quanto possível, a experiência motora dessa criança, instigando o seu vocabulário motor, mas respeitando sempre a sua integridade física. O desafio está em criar mecanismos para que essa criança consiga, paulatinamente, conquistar tanto mais domínio de movimento quanto confiança para executá-los.

Também a família, muitas vezes, cria ao redor do indivíduo cego uma redoma formada pela superproteção, que é causada pelo sentimento de culpa, pela desestruturação que o nascimento de uma criança deficiente causa em sua família, pelo medo e por falta de informações. Existe um total cerceamento dá ação motora dessa criança. Tudo vem a ela sem que ela saiba a origem das coisas. Tudo aquilo que acontece a seu redor passa-se como situações abaixo do seu limiar de captação, fazendo com que ela tenha a tendência de fechar-se cada vez mais em seu mundo exclusivo, não fazendo a relação do seu eu com os que a cercam e com o ambiente em que vive.

Como caracterização do estágio de desenvolvimento motor do indivíduo cego apresentam-se com freqüência as seguintes defasagens: equilíbrio falho, mobilidade prejudicada, esquema corporal e cinestésico não internalizados, locomoção dependente, postura defeituosa, expressão corporal e facial muito raras, coordenação motora bastante prejudicada, lateralidade e direcionalidade não estabelecidas, inibição voluntária não controlada, falta de resistência física, tônus muscular inadequado e falta de autoiniciativa para ação motora.

Como respostas sociais-afetivas apresentam-se freqüentemente o medo de situações e ambientes não conhecidos, insegurança em relação as suas possibilidades de ação física, dependência, apatia, isolamento social, desinteresse pela ação motora, autoconfiança bastante prejudicada e dificuldade no estabelecimento de relações básicas com as pessoas e com o ambiente.

A limitação na captação de estímulos, assim como a falta de relação: objeto visualmente percebido – palavra e a falta de experiências práticas causam uma defasagem a nível cognitivo, que tem como característica básica à dificuldade na formação e utilização de conceitos. Ressalve-se que a defasagem cognitiva é uma situação conjuntural e não estrutural no desenvolvimento da pessoa cega.

Privado do principal dos sentidos o deficiente visual não desenvolve naturalmente os sentidos intactos de forma compensatória. O tato, as cinestesias, a audição e o olfato, sem uma adequada estimulação, não atuam de maneira fidedigna na diminuição da defasagem da captação e elaboração dos estímulos que a cegueira provoca. Além disso, a impossibilidade da imitação e do estabelecimento de modelos restringe ainda mais o seu desenvolvimento.



 
A educação física adaptada ao indivíduo cego trabalha abrangendo o seu desenvolvimento, não só na área psicomotora como também nos aspectos cognitivos, sociais-afetivos e sensoriais. Ela utiliza o corpo da criança cega como instrumento, como ferramenta mor. Partindo do conhecimento e domínio deste corpo, ela usa o movimento controlado como meio de interação e compreensão daquilo que a cerca. O respeito absoluto a individualidade do aluno, o prazer da descoberta de poder fazer e crescer com o seu esforço, tendo como fins o alicerçamento e a potencialidade de seu

desenvolvimento geral, buscando propiciar condições favoráveis à sua trajetória e, futuramente, à sua emancipação social são os pressupostos de uma estratégia básica.

Isso tudo deve começar muito cedo, ainda no berço, ambiente onde o bebê passa a maior parte das horas. Quando os estímulos são suficientes, seus movimentos são mais naturais e as suas condutas de base afloram no tempo certo. Segundo GARCIA apud

MOSQUERA (2000), a soma dos elementos: localização espacial, orientação espacial e organização espacial, é o conjunto necessário de estímulos para que o indivíduo se desenvolva integrado ao seu meio e não apresente um atraso psicomotor.

Para superar os obstáculos que o mundo lhes apresenta o cego precisa experimentar o diferente, deve arriscar-se sozinho mediante formação e execução de planos. Para MOSQUERA (2000) a formação implica em encontrar uma solução adequada para resolver um problema concreto. É nesses momentos que utilizamos nossa representação interna (mapa cognitivo) e/ou externa (descrições verbais). Para alguns cegos, o entendimento desse mapa mental é simples, principalmente para os que estão nas ruas diariamente, o que não acontece com a grande maioria. Pode-se concluir então que, desde o berço até a idade adulta, o indivíduo incapacitado visualmente necessita de movimento orientado, paciência e perseverança.

Colocar o indivíduo em situações problema não é prática usual em nossas escolas e nas aulas de Educação Física. Na medida em que se realizarem tentativas, seguidas de reflexões e reformulações sobre essa prática será possível aperfeiçoá-la e torná-la cada dia mais presente em nossa realidade.

Algumas formas de trabalhar com situações problemas podem motivar os professores a criar novas estratégias. As atividades de questionamentos são importantes, na medida em que motivam os deficientes visuais a pensar sobre seus movimentos, a repensar o que já realizaram, a fazer associações das experiências vividas fora da sala de aula. Nessas situações problemas, nas quais o professor vai extraindo deles as soluções, é interessante observar como elaboram seu pensamento na tentativa de responder às questões.

É importante elaborar atividades sem propor modelos às crianças de modo que desenvolvam várias formas de realizar o exercício. Buscando bases científicas para o trabalho com o deficiente visual MOSQUERA (2000) recorre aos estudos de BRONFENBRENNER sobre a teoria ecológica do desenvolvimento motor, que divide o desenvolvimento motor em quatro propriedades, capazes de influenciarem no desenvolvimento. Partindo dessa divisão pode-se entender melhor tanto o papel do professor quanto o momento mais certo da necessidade de independência do indivíduo.

A primeira parte MOSQUERA (2000) classifica como contexto do desenvolvimento primordial: é o momento do trabalho em que as duas partes estão

engajadas numa tarefa só. Quando existe uma orientação direta, o orientador possui qualidades que o aprendiz ainda não assimilou. É o momento em que o professor está em constante contato com o indivíduo, ensinando-o
A segunda divisão é classificada como contexto de desenvolvimento secundário : quando o indivíduo recebe incentivo e encorajamento, sem orientação direta, para aplicar o que aprendeu no desenvolvimento primordial. É assim que devemos agir com o deficiente visual; em um determinado momento da aprendizagem o risco deverá ser assumido por ele. A terceira proposição geral mostra a importância do papel desempenhado por terceiras partes no processo do desenvolvimento humano, ou seja, a importância do meio ambiente no decorrer do processo de formação do indivíduo. Já a quarta proposição geral estabelece a necessidade de intercâmbio entre as partes que estão ocupadas com o desenvolvimento do indivíduo.

Essa teoria reflete a importância e a necessidade de os indivíduos portadores de necessidades especiais incorporarem-se a programas de Educação Física, ao mesmo tempo especializados e integrados.
Nesta abordagem o papel do professor muda de um simples transmissor para instigador do conhecimento, proporcionando ao indivíduo o pensar e repensar sobre seu movimento, não simplesmente executá-lo mecanicamente. Portanto, o professor de Educação Física não deve estabelecer o que os deficientes visuais têm capacidade de saber, ou o que já sabem. Mas incitá-los a construir esse saber, provocá-los ao mesmo tempo em que fornece pistas para que edifiquem seu conhecimento. O professor deve convencer-se da importância de trabalhar com situações problema e, com base nesse trabalho, levar o indivíduo ao conhecimento, controle e domínio do seu corpo, embasando e favorecendo a evolução também de aspectos como a autoconfiança, o sentido de cooperação, o prazer de poder fazer e as interfaces dessas valências afetivas com o seu cotidiano na família, na escola e na sociedade. Só assim a

Educação Física cumprirá sua função de importante elemento facilitador no caminhar  do indivíduo cego rumo à sua emancipação social, possibilitando-lhe condições básicas que capacitem-no futuramente a superar as barreiras, de diversos tipos, nuances e intensidades, que certamente lhe serão impostas.

Os cegos que não são orientados para se deslocarem com mais independência e segurança e que devem tomar as próprias decisões tornam-se vulneráveis a qualquer acidente, o que os obriga a estarem constantemente solicitando ajuda, além de demorarem mais tempo na execução de percursos relativamente fáceis.

Constata-se então, que a atividade física e a prática dos esportes são fatores vitais para a saúde física e mental dos deficientes visuais. A Educação Física tem um papel decisivo na motivação para a vida e para a busca de melhor adequação das capacidades preservadas. O corpo cego é movimento, é vida, é sentimento e, tendo a oportunidade de vivenciar a atividade motora ou o esporte, o deficiente visual terá maiores chances para conquistar seu espaço como cidadão que é, independente de sua deficiência.

Esses argumentos explicam facilmente a importância do papel do professor em estimular no deficiente visual o desenvolvimento de estratégias para melhorar seus deslocamentos, sua independência e autonomia, melhorar a auto-estima, promover a socialização com outros grupos, vivenciar situações de sucesso e superação de situações de frustração, melhorar a qualidade de vida, etc. Com base nas necessidades dos deficientes visuais o professor precisa criar atividades com diferentes níveis de exigência e utilizar a criatividade do próprio deficiente para enriquecer suas aulas e motivar seus alunos à aprendizagem. Para explorar sua criatividade, o professor necessita dominar a fundamentação teórica que embasa seu trabalho, além de ter claro seus objetivos e deixar fluir sua imaginação.

Como nos diz MELLO (2001), o fundamental dessas diretrizes não é o fato de não serem acabadas e estáticas, mas de constituírem caminhos. Quem o transforma é o próprio professor à medida que estuda e reflete sobre sua própria prática. Esse repensar pedagógico é hoje uma competência essencial ao profissional consciente de seu papel em uma sociedade que está aprendendo a viver a democracia.




Referências Bibliográficas

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ibc@infolinsk.gov.br.

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